III Encontro Fluminense do Ministério Público
Com sede em Teresópolis, o III Encontro Fluminense do Ministério Público ocorreu entre os dias 3 e 5 de dezembro de 1982 no Hotel Caxangá. Organizado pela AMPERJ, o evento reuniu cerca de 100 Promotores e Procuradores de Justiça, além de convidados, e teve um viés fortemente político sobre os rumos do MPRJ. O assunto central foi a reformulação da atuação da instituição. A palestra de abertura foi realizada pelo jurista e Subprocurador-Geral da República Francisco de Assis Toledo.
Em um cenário nacional de mudanças políticas, um pouco antes, em 15/11/1982, ocorreu a primeira eleição direta para vereadores, prefeitos (menos nas capitais), deputados estaduais e federais, governadores e senadores desde o início da ditadura civil-militar (1964-1985). Neste contexto, Leonel Brizola foi eleito para a chefia do Executivo no Estado do Rio de Janeiro. O pleito foi uma conquista importante da sociedade rumo à redemocratização e evidenciou o enfraquecimento crescente do regime ditatorial.
Por parte do Ministério Público fluminense, havia grande expectativa quanto ao novo governo estadual. A relação com o governador Chagas Freitas (1979-1983), durante toda a sua gestão, foi marcada por tensões que resultaram na Vigília Institucional em 1980. Questões ainda pendentes da fusão, quanto à padronização dos vencimentos entre os membros provenientes do antigo Estado do Rio e do extinto Estado da Guanabara, era uma das demandas institucionais que continuavam na ordem do dia. A diretoria da AMPERJ, sob a presidência do Promotor de Justiça Antonio Carlos Silva Biscaia (1982-1984), buscava a articulação política como forma de sensibilização para a situação vivenciada pela classe. Uma das medidas foi o diálogo estabelecido com cada um dos pré-candidatos ao governo estadual para que assumissem o compromisso de fortalecer e prestigiar o MPRJ. Além de Brizola, concorreram Moreira Franco, Miro Teixeira, Sandra Cavalcanti e Lysâneas Maciel. Outra reinvindicação importante era a nomeação pelo governador de um Procurador-Geral de Justiça eleito pelos membros.
Antes da Constituição de 1988 a legislação permitia que o Procurador-Geral de Justiça fosse de livre nomeação do governo estadual, de modo que advogados e operadores do Direito de outras carreiras públicas eram designados para a função. Cargo político, o Procurador-Geral de Justiça era passível de demissão a qualquer momento e suas decisões corriam o risco de contrariar os interesses da classe criando impasses. A Lei Complementar Federal nº 40 de 14/12/1981, sobre as normas gerais para a organização do Ministério Público nos Estados, ao determinar que a nomeação pelo governador ocorresse nos termos da legislação estadual, abriu a possibilidade para que os membros instituíssem eleições internas. A Lei Complementar Estadual nº 28 de 21/05/1982, que organizava o MPRJ, seguiu a orientação de atribuição ao governador da prerrogativa na escolha da chefia institucional com base na Constituição Estadual, que era de 1975, e acabou não avançando sobre os critérios de escolha entre os integrantes da carreira. A oportunidade de cumprimento dos anseios da classe residia na alteração da legislação com o novo governo.
Leonel Brizola e o Coordenador do Grupo de Trabalho do seu governo, o advogado Vivaldo Barbosa, participaram do III Encontro Fluminense. Barbosa, que viria a ser Secretário Estadual de Justiça, apresentou em plenário, no segundo dia, um projeto de reforma do Ministério Público. O projeto foi elaborado com a participação de Promotores e Procuradores de Justiça participantes do evento. Segundo Biscaia, o objetivo do encontro era tentar integrar o programa elaborado pelo governo com a proposta de lei elaborada pelos membros. A principal reivindicação era a eleição do Procurador-Geral de Justiça e dos integrantes do Conselho Superior.
Na proposta do governo, ocorreria a eleição da chefia institucional com a formação de uma lista tríplice com os mais votados, que seria submetida ao governador e aprovada pela Assembleia Legislativa, a qual teria poder de veto. O objetivo da proposta era tornar os membros independentes de qualquer poder e serem advogados exclusivos da sociedade. Também defendia uma maior atuação junto à polícia e na defesa do consumidor. Garantia também ao agente ministerial, entre outras prerrogativas, a inamovibilidade e a independência funcional, impedindo que o Procurador-Geral interferisse diretamente em processos atribuídos aos membros. O projeto também previa a criação de gabinetes onde os Promotores estariam em plantão permanente para receber denúncias de violação dos Direitos Humanos. Estas e outras propostas debatidas durante o encontro substanciariam a "Carta de Teresópolis", mencionada pelo Jornal do Brasil de 05/12/1982 estabelecendo os futuros princípios de atuação do Ministério Público.
Apesar de aprovada pelos participantes, com alterações, o projeto não virou lei. No entanto, algumas propostas apresentadas no III Encontro serviram de base para as reivindicações da classe apresentadas durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988). É importante observar que Vivaldo Barbosa foi posteriormente eleito Deputado Federal Constituinte (1987-1990) e colaborou junto com os membros do Ministério Público estaduais para que a formação da lista tríplice entre integrantes da carreira e a nomeação do Procurador-Geral de Justiça pelo chefe do Executivo fosse incluída na Carta Constitucional de 1988 (art. 128, II, §3º), assim como a independência funcional como princípio institucional (art. 127, §1º), e a inamovibilidade como uma das garantias constitucionais (art. 128, II, §5º, I, b).
A contribuição do Deputado Vivaldo Barbosa junto aos membros ministeriais permitiu um maior alcance das atribuições da instituição na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como nas áreas dos direitos humanos e em outros ramos do Direito.
Referências Bibliográficas
RIO DE JANEIRO (ESTADO). PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. Centro de Memória Procurador de Justiça João Marcello de Araújo Júnior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. CDM/MPRJ: Há algo novo. Rio de Janeiro: Imprint 2001, 2020.
ROCHA, Célio Erthal. Um olhar sobre o Ministério Público Fluminense. 2ª ed. Niterói: Nitpress, 2016.
Legislativas
BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 23 out. 2023.
_____. Lei Complementar nº 40, de 14 de dezembro de 1981. Estabelece normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público estadual. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leicom/1980-1987/leicomplementar-40-14-dezembro-1981-364978-publicacaooriginal-1-pl.html Acesso em 23 out. 2023.
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Constituição, de 23 de julho de 1975. Rio de Janeiro: [s.n.], [s.d.]. Disponível em:
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www2.alerj.rj.gov.br/biblioteca/assets/documentos/pdf/constituicoes/rio_de_janeiro/constituicao_1975/Constituicao_1975.pdf Acesso em 19 dez. 2023.
_____. Lei Complementar nº 28, de 21 de maio de 1982. Dispõe sobre a organização do Ministério Público Estadual junto ao Poder Judiciário, adaptando-o à Lei Complementar Federal nº 40 de 14/12/1981. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/rj/lei-complementar-n-28-1982-rio-de-janeiro-altera-a-lei-complementar-n-6-de-12-de-maio-de-1977-e-da-outras-providencias#:~:text=Art.,regime%20jur%C3%ADdico%20de%20seus%20membros Acesso em 18 dez. 2023.
Periódicos
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro.
O Fluminense, Niterói.
O Globo, Rio de Janeiro.