Katlhen de Oliveira Romeu

Katlhen de Oliveira Romeu
Kathlen Romeu nasceu no Hospital Federal do Andaraí, em 3 de outubro de 1996, e faleceu aos 24 anos, quando estava grávida de 14 semanas. Era uma jovem cheia de vida, que amava estar com os amigos e a família. Gostava de churrasco, picanha, comida japonesa, praia, música e, especialmente, viagens. Ao longo de sua vida, teve a oportunidade de conhecer a Chapada Diamantina, Morro de São Paulo e a Península de Maraú. Sua paixão pela música também era imensa: adorava Bruno Mars, Belo, Beyoncé e um pagodinho retrô e deixou memórias registradas em vídeos cantando canções como a de Claudinho e Buchecha.
Kathlen era uma pessoa agregadora, que unia amigos de diferentes fases da vida e fazia com que todos se tornassem próximos. Se formou técnica em administração aos 17 anos e, em 2020, concluiu a faculdade de Design de Interiores. Trabalhava em uma loja de grifes no Rio de Janeiro como vendedora e fazia trabalhos como modelo, sempre alimentando o sonho de ser reconhecida internacionalmente. Criativa e independente desde cedo, aos 14 anos já customizava roupas e buscava sua autonomia financeira.
Entre seus maiores sonhos estavam ser mãe, ter sua casa, seu carro e construir uma carreira sólida. Ela deixou uma lista de metas a cumprir, revelando sua determinação e visão de futuro. No momento de sua morte, vivia a expectativa da maternidade, ainda que não planejada, mas muito aguardada por toda a família. Sua mãe lembra que temia pelo futuro do neto, pois sabia das dificuldades e riscos enfrentados por jovens negros nas periferias, diante da violência policial.
Kathlen era o orgulho de seus pais e da família, que acompanhavam sua trajetória com admiração. A lembrança que deixa é a de uma jovem alegre, batalhadora e criativa, cujo sorriso contagiava todos ao seu redor.
O crime
Em junho de 2021, Kathlen, grávida de 14 semanas, decidiu visitar a avó, Sayonara, no Complexo do Lins. Em razão das recorrentes operações policiais no local, bem como do cenário pandêmico da época, a avó se preocupava com a vinda da neta que, ainda assim, foi até o local.
Ao deixar a casa da avó, Kathlen foi surpreendida pela ação de policiais militares escondidos em um beco, sendo alvejada com um tiro de fuzil, disparado pelos agentes. A despeito da alegação de confronto, as investigações demonstraram que, no momento dos disparos, não houve qualquer troca de tiros entre policiais e traficantes.
A Sra. Sayonara afirma, ainda, que a ausência de socorro imediato foi marcada pela indiferença de policiais que, ao invés de auxiliarem a neta, passaram a interrogá-las sobre possíveis traficantes. Explica que, somente após muita insistência, houve a chegada de um segundo policial, que as conduziu até o hospital. No entanto, já era tarde. A mãe desabafa que a única arma que Kathlen carregava era a vida em formação dentro de si.
Em razão dos fatos, foi oferecida denúncia, pelo Ministério Público, em face de policiais militares, estando o processo pendente de julgamento perante o Tribunal do Júri. Sua morte representou uma violência que ultrapassou os limites da família, impactando amigos, conhecidos e todos que se indignaram com a brutalidade contra uma jovem mulher negra, grávida, inocente.
As consequências do crime - o que fica
Para além do crime, a família de Kathlen ainda sofreu com uma outra forma de violência: a loja onde a vítima trabalhava tentou explorar sua morte em campanhas publicitárias, gerando cupons de desconto ao público e pressionando a família, em meio ao luto. Essa experiência agravou ainda mais a sensação de humilhação e abandono institucional.
A mãe de Kathlen, por sua vez, passou a refletir sobre as injustiças estruturais que afetam especialmente jovens negros e periféricos, ressaltando ser descrente do discurso de meritocracia. Para ela, Kathlen não estava no lugar errado, na hora errada - ela estava no local certo, onde sua família residia, e ainda assim foi vítima da violência do Estado. Ela narra que, quando a filha completou 18 anos, teve uma crise de choro, pois não poderia mais mantê-la em uma "bolha". Hoje, ela reflete que essa crise foi como um prenúncio do que viria acontecer, anos depois.
A morte de Kathlen Romeu, portanto, deixou marcas irreparáveis. A família, que já havia se esforçado para lhe oferecer melhores condições de vida, perdeu não apenas uma filha e neta amada, mas também o bebê que ela carregava. A ausência é sentida diariamente, especialmente pela mãe, que esperava ouvir passos de criança no apartamento. A busca, segundo os familiares, não é por vingança, mas sim por justiça, que até hoje vem sendo negada pelo Estado.
Hoje, sua memória inspira luta e resistência. Seus familiares e apoiadores engajam-se em movimentos sociais, como a Rede de Apoio a Pessoas Afetadas por Violência do Estado (RAAVE), reivindicando uma juventude negra viva, com direito a existir e sonhar. A história de Kathlen permanece como símbolo da dor, da injustiça e da urgência de transformar a realidade para que outras famílias não passem pelo mesmo luto.
