EIXO 1 - Kathlen Romeu

Kathlen Romeu

24 anos
Rio de Janeiro
03 de outubro de 1996
08 de junho de 2021

Kathlen Romeu nasceu no Hospital Federal do Andaraí, em 3 de outubro de 1996, e faleceu aos 24 anos, quando estava grávida de 14 semanas. Era uma jovem cheia de vida, que amava estar com os amigos e a família. Gostava de churrasco, picanha, comida japonesa, praia, música e, especialmente, viagens. Ao longo de sua vida, teve a oportunidade de conhecer a Chapada Diamantina, Morro de São Paulo e a Península de Maraú. Sua paixão pela música também era imensa: adorava Bruno Mars, Belo, Beyoncé e um pagodinho retrô e deixou memórias registradas em vídeos cantando canções como a de Claudinho e Buchecha. 
 
Kathlen era uma pessoa agregadora, que unia amigos de diferentes fases da vida e fazia com que todos se tornassem próximos. Se formou técnica em administração aos 17 anos e, em 2020, concluiu a faculdade de Design de Interiores. Trabalhava em uma loja de grifes no Rio de Janeiro como vendedora e fazia trabalhos como modelo, sempre alimentando o sonho de ser reconhecida internacionalmente. Criativa e independente desde cedo, aos 14 anos já customizava roupas e buscava sua autonomia financeira. 
 
Entre seus maiores sonhos estavam ser mãe, ter sua casa, seu carro e construir uma carreira sólida. Ela deixou uma lista de metas a cumprir, revelando sua determinação e visão de futuro. No momento de sua morte, vivia a expectativa da maternidade, ainda que não planejada, mas muito aguardada por toda a família. Sua mãe lembra que temia pelo futuro do neto, pois sabia das dificuldades e riscos enfrentados por jovens negros nas periferias, diante da violência policial. 
 
Kathlen era o orgulho de seus pais e da família, que acompanhavam sua trajetória com admiração. A lembrança que deixa é a de uma jovem alegre, batalhadora e criativa, cujo sorriso contagiava todos ao seu redor. 

EIXO 1 Kathlen Romeu

O crime

Durante o período em que trabalhou no salão, Reinaldo foi alvo de sucessivos episódios de racismo, praticados principalmente por uma colega de trabalho e tolerados pela gerência. A cabeleireira fazia comentários depreciativos, dizendo que cabelos de pessoas negras as ¿deixavam com cara de pobre¿ ou ¿de porco¿. Em diversas ocasiões, questionava sua capacidade profissional e se referia ao seu cabelo como ¿africano¿, associando-o a imagens de crianças desnutridas na África, em tom pejorativo. 
 
Em um episódio, quando Reinaldo foi promovido a assistente de cabeleireiro, ao atender uma cliente branca, ouviu insinuações de que não teria competência para lidar com outros tipos de cabelo. O gerente, em vez de apoiá-lo, o repreendeu, dizendo que deveria ¿saber se comportar em outros ambientes¿. No mesmo dia, disse que sua roupa o fazia parecer ¿um aluno de escola pública¿. 
 
Os episódios continuaram em novembro de 2023, quando, após receber de um amigo uma banana, ouviu da colega: ¿vai comer banana, macaquinho? Você não sabia que você vem do macaco?¿. A ofensa explícita o fez se retirar do local chorando. Ao relatar o fato, ouviu da administração que nada seria feito. Somente após registrar ocorrência na delegacia a funcionária foi suspensa por 15 dias. 
 
Ainda assim, a violência não cessou. No Dia da Consciência Negra, o salão exibiu, sem consentimento, fotos de funcionários pretos em um telão, exigindo que desfilassem por um tapete vermelho, em uma espécie de exposição humilhante. Reinaldo recusou-se a participar, mas sua foto ficou em exibição durante todo o dia, sob comentários de que os funcionários pretos eram ¿ingratos¿.

EIXO 1 Kathlen Romeu

As consequências do crime - o que fica

Para além do crime, a família de Kathlen ainda sofreu com uma outra forma de violência: a loja onde a vítima trabalhava tentou explorar sua morte em campanhas publicitárias, gerando cupons de desconto ao público e pressionando a família, em meio ao luto. Essa experiência agravou ainda mais a sensação de humilhação e abandono institucional. 
 
A mãe de Kathlen, por sua vez, passou a refletir sobre as injustiças estruturais que afetam especialmente jovens negros e periféricos, ressaltando ser descrente do discurso de meritocracia. Para ela, Kathlen não estava no lugar errado, na hora errada ¿ ela estava no local certo, onde sua família residia, e ainda assim foi vítima da violência do Estado. Ela narra que, quando a filha completou 18 anos, teve uma crise de choro, pois não poderia mais mantê-la em uma ¿bolha¿. Hoje, ela reflete que essa crise foi como um prenúncio do que viria acontecer, anos depois.  

A morte de Kathlen Romeu, portanto, deixou marcas irreparáveis. A família, que já havia se esforçado para lhe oferecer melhores condições de vida, perdeu não apenas uma filha e neta amada, mas também o bebê que ela carregava. A ausência é sentida diariamente, especialmente pela mãe, que esperava ouvir passos de criança no apartamento. A busca, segundo os familiares, não é por vingança, mas sim por justiça, que até hoje vem sendo negada pelo Estado. 
 
Hoje, sua memória inspira luta e resistência. Seus familiares e apoiadores engajam-se em movimentos sociais, como a Rede de Apoio a Pessoas Afetadas por Violência do Estado (RAAVE), reivindicando uma juventude negra viva, com direito a existir e sonhar. A história de Kathlen permanece como símbolo da dor, da injustiça e da urgência de transformar a realidade para que outras famílias não passem pelo mesmo luto. 

Vídeo - Kathlen Romeu

A voz da Família