eixo 4 - Alanda da Mota Neri

Alanda da Mota Neri

29 anos
Rio de Janeiro
15 de dezembro de 1993
16 de fevereiro de 2023

Alanda nasceu em Santa Helena, bairro de Padre Miguel, era uma jovem vibrante, que levava um estilo de vida saudável e disciplinado. Amava atividades físicas - frequentava a academia, corria e praticava lutas - e também gostava de praia, lugar que dizia ser onde mais se sentia de bem com a vida. Muito estudiosa, Alanda conciliava as responsabilidades com os filhos e o trabalho com o gosto por sair para dançar e celebrar a vida.

Tinha forte ligação com a música: fã da cantora Ludmilla, também recordava com carinho a fase da adolescência em que ouvia RBD. Entre as músicas que melhor a representam está o verso: "Igual a você eu sei que não tem, de zero a dez te dou nota cem". Flamenguista apaixonada, acompanhava os jogos sempre que podia. Gostava ainda de dirigir carros e motos.

Deixou seus pais, quatro irmãs - Vanessa, Millena e Renata e Rihanna -, uma sobrinha, Amanda, e dois filhos, Pyetro e Ghael. A chegada da caçula Rihanna, em 2022, foi entendida pela família como um alento e um propósito divino em meio à dor que viriam a enfrentar meses depois.

Alanda começou a trabalhar cedo. Aos 12 anos, ingressou como jovem aprendiz na C&A, onde permaneceu por três anos. Mais tarde, exerceu diversas funções: frentista, vendedora e modelo de roupas. No momento dos fatos, era operadora de telemarketing. Sempre sonhou em ingressar na Polícia Militar, chegou a iniciar o curso, mas teve que interromper os estudos por dificuldades financeiras. Tentou também concurso para o Corpo de Bombeiros e dizia que retomaria a formação quando tivesse condições. Seu grande sonho pessoal era conhecer as Maldivas.

Descrita pela família como divertida e carinhosa, era muito ligada aos irmãos. Vanessa recorda que Alanda esteve ao seu lado no nascimento de seu filho, enquanto Millena ressalta a proximidade e o amor intenso que recebia da irmã. A mãe, por sua vez, lembra o quanto Alanda era apaixonada pela família, especialmente por Millena.

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O Crime

O relacionamento de Alanda com o autor dos fatos começou cerca de um ano antes do nascimento de seu filho mais novo e, desde o início, foi marcado por violência e ameaças. Quando engravidou pela primeira vez, ele a obrigou a abortar. Na segunda gestação, exigiu novamente o aborto, mas Alanda levou a gravidez adiante.

A família tinha ciência de inúmeros episódios de agressão. O pai de Alanda soube, ainda no início da relação, que a filha havia aparecido com hematomas no rosto. A partir daí, passou a desconfiar, mas as ameaças constantes a parentes próximos fizeram com que Alanda optasse por se afastar, em uma tentativa de preservar a segurança de todos.

Relatos de familiares e amigos revelam que Alanda era frequentemente agredida em público: era arrastada pelos cabelos, xingada e humilhada. O controle exercido por ele incluía perseguições constantes, promessas de mudança seguidas de novas violências e até agressões simbólicas, como cortar-lhe o cabelo à força, em sinal de submissão.

No dia 22 de janeiro de 2023, após retornar de uma festa, o casal discutiu em casa. Durante a briga, ele jogou álcool nas costas de Alanda. Acreditando que o ataque havia cessado, ela tentou se recompor, mas ele retornou com fósforos e ateou fogo em seu corpo. O agressor também se incendiou, em razão do combustível espalhado.

Em meio ao desespero, Alanda correu para o banheiro, ligou o chuveiro e, em seguida, saiu à rua em busca de ajuda. Pediu a uma vizinha que fosse verificar o estado de seu filho e aguardou o socorro. Foi encaminhada ao hospital em estado gravíssimo. A família critica a forma como foi tratada pela polícia. Mesmo diante de queimaduras extensas, Alanda teria recebido voz de prisão no hospital, em razão de uma versão apresentada pelo agressor. Além disso, familiares ouviram comentários preconceituosos e desumanos, como: "mas ela também não era fácil, né?". O agressor, ex-policial militar, já havia sido preso anteriormente em flagrante por porte de armas e drogas. A família relata ainda episódios de violência contra a ex-companheira dele e lembra de ocasiões em que tentou, inclusive, tomar o filho da vítima à força, chegando a agredir fisicamente a irmã de Alanda, que estava grávida. Alanda lutou por sua vida até 16 de fevereiro de 2023, quando faleceu em decorrência das queimaduras.

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As consequências do crime - o que fica

A perda de Alanda deixou marcas profundas em sua família. Seus filhos perderam a mãe em circunstâncias de extrema violência; seus pais e irmãs enfrentam diariamente a dor da ausência.

O pai afirma que a chegada de sua filha mais nova, Rihanna, em 2022, foi um presente divino para dar sentido à vida em meio à tragédia. Millena, que também teve uma filha no mesmo ano, vê na maternidade uma forma de renovação e de encontrar forças para seguir em frente. 

Apesar disso, o luto permanece intenso. As irmãs relatam que, até hoje, o vazio  insubstituível, e o sentimento de indignação em relação às falhas institucionais no acolhimento e no tratamento da vítima e da família agrava ainda mais a dor.

A história de Alanda é o retrato de uma vida interrompida pela violência de gênero. Uma jovem cheia de sonhos - entre eles, o de vestir a farda da Polícia Militar e o de viajar para as Maldivas -, que teve sua trajetória abreviada por um ciclo de agressões que culminou em feminicídio.