97 Artigo

Imagem representativa do ARTIGO DA REVISTA N° 97
ARTIGO DA REVISTA N° 97

jul./set. 2025

Plea Bargaining em perspectiva: uma breve reflexão a partir do problema da inocência e da importância do contraditório e da ampla defesa na justiça negocial

97 Artigo

Artigo
DOCUMENTO
Arquivo para download - Versão PDF

97 Artigo

Artigo

Plea Bargaining em perspectiva: uma breve reflexão a partir do problema da inocência e da importância do contraditório e da ampla defesa na justiça negocial

Autor

Catiane Steffen

Doutoranda na Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pesquisadora.

Resumo

A incapacidade do Estado em dar uma resposta satisfatória aos anseios da população de uma segurança pública eficiente e eficaz faz com que a sociedade, de modo geral, coloque-se mais receptiva à importação de mecanismos estrangeiros nos sistemas jurídico-penais locais, contanto que os institutos pareçam entregar o resultado que se espera. Sob a euforia da importação, os problemas escondidos por detrás desses mecanismos não são considerados ou são mitigados em prol de pretensos benefícios, muitos dos quais questionáveis pelas mais primárias linhas fundantes do processo penal democrático, pois incompatíveis com as disposições constitucionais. A importação de mecanismos concebidos em sistemas jurídico-penais bastante diferentes faz com que frequentemente esses institutos estrangeiros necessitem ser adaptados para caber numa realidade que nem sempre os comporta na versão original. Isso causa uma constante erosão do direito processual penal, que irradia reflexos em todo o tecido do arranjo social. No Plea Bargaining, frequentemente se oferece uma pena mais branda do que aquela que o acusado concorreria se o processo acontecesse dentro do iter procedimental completo no Tribunal. Essa dinâmica colide frontalmente com as disposições da Constituição de alguns países, nas quais se garante que a condenação criminal acontecerá por meio do devido processo legal, caso do Brasil. Considerando esse contexto, neste trabalho faz-se uma reflexão sobre (i) como o problema da inocência no Plea Bargaining se relaciona com elementos como a ausência de conhecimento sobre direitos e garantias, o medo, a coação e a dificuldade de acesso à defesa técnica; (ii) como o Plea Bargaining pode colidir com as disposições constitucionais que sustentam e garantem o devido processo legal. Para tanto, faz-se uma reflexão a partir da aplicação desse mecanismo nos Estados Unidos da América. Entre as principais conclusões, verifica-se que indivíduos desassistidos de defensores empenhados e qualificados, que estabeleçam uma defesa que não se limite a algo meramente formal, ficam mais propensos a aceitar acordos nos quais a denúncia é frágil, desmontável pelos erros, vícios e falsas evidências. Esses elementos costumeiramente passam despercebidos aos olhos dos inocentes, que podem enxergar as acusações como barreiras intransponíveis. Diante disso, enfatiza-se a importância do exercício do contraditório e da plenitude de defesa em modelos de justiça negocial, pois quanto menor o espaço para exercitá-los, maior a chance de que inocentes assumam a culpa diante de sistemas que entendam como voltados a condená-los.

Abstract

The State's inability to provide a satisfactory response to the population's wishes for efficient and effective public security leads society, in general, to be more receptive to the import of foreign mechanisms into its legal and penal systems, as long as these mechanisms seem to deliver the expected results. Under the excitement of importation, the problems hidden behind those mechanisms are often not considered or are mitigated in favor of presumed benefits, many of which are questionable according to the fundamental principles of democratic criminal procedure, as they may be incompatible with constitutional provisions. The import of mechanisms designed in legal and penal systems quite diferente from one's own makes these foreign institutes need to be adapted to fit into a reality that does not always contain them in their original version. This causes a constant erosion of criminal procedural law, which reflects on the entire fabric of social arrangements. In Plea Bargaining, a lesser penalty is often offered than what the accused would face if the process unfolded within the complete procedural path in court. This dynamic collides directly with the provisions of the Constitution of some countries, in which it is guaranteed that criminal conviction will happen through due process, as is the case of Brazil. Considering this context, this work reflects on (i) how the problem of innocence in Plea Bargaining relates to elements such as lack of knowledge about rights and guarantees, fear, coercion and difficulty of access to technical defense; (ii) how Plea Bargaining may collide with constitutional provisions which underpin and ensure due legal process. To this end, the reflection begins with an examination of the application of this mechanism in the United States of America. Among the main conclusions, it is observed that individuals unassisted by committed and qualified defenders, who establish a defense that goes beyond mere formality, are more likely to accept agreements where the charges are weak and can be dismantled by errors, flaws, and false evidence. These elements often go unnoticed in the eyes of the innocent, who perceive the accusations as insurmountable barriers. In light of this, the importance of exercising adversarial proceedings and full defense in negotiated justice models is emphasized, because the less room there is to exercise them, the greater the chance that the innocent will assume guilt in systems perceived as oriented towards their condemnation.

Palavras-chave

Justiça negocial. Inocência. Plea Bargaining. Processo penal. Vulnerabilidade social.

Keywords

Negotiated justice. Innocence. Plea bargaining. Criminal procedure. Social vulnerability.

Como citar este artigo:

STEFFEN, Catiane. Plea Bargaining em perspectiva: uma breve reflexão a partir do problema da inocência e da importância do contraditório e da ampla defesa na justiça negocial. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nº 97, jul./set. 2025, p. 21-35.