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Direitos Humanos
MPRJ debate intolerância religiosa e racismo no Brasil
Publicado em Wed Nov 29 12:50:47 GMT 2017 - Atualizado em Wed Nov 29 13:02:40 GMT 2017

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do Instituto de Educação e Pesquisa (IEP/MPRJ), do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Cidadania (CAO Cidadania/MPRJ) e da Assessoria de Direitos Humanos e de Minorias (ADHM/MPRJ), realizou na tarde da última segunda (27/11), o evento “Diálogos sobre Intolerância Religiosa e Racismo”, com a participação de estudiosos e especialistas no tema. O evento atraiu muitos interessados ao auditório do edifício sede do MPRJ.
 
Logo na abertura, o procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, destacou a importância do encontro, e lamentou que, ainda hoje, ocorram, com repetida prática de violência, muitos crimes contra a liberdade religiosa e a condição racial. “O Ministério Público é o espaço ideal para debater e combater ambas as questões. Para que possamos evoluir como sociedade”, pontuou o PGJ.
 
Um dos debatedores da primeira mesa, ao lado da promotora Eliane de Lima Pereira, assessora da ADHM/MPRJ, o procurador Jaime Mitropoulos, do Ministério Público Federal (MPF), reforçou a relevância daquele momento. “Em meio à crise política e econômica do Rio de Janeiro, o pior que pode acontecer é o recrudescimento da intolerância racial e religiosa. Com eventos como este, a questão entra em cena, sai da invisibilidade. Depois, é partir para o passo seguinte, que é retirar o Estado da letargia, para que possa cumprir seu compromisso de inibir, coibir e punir atos como depredações e incêndios criminosos de casas religiosas afro-brasileiras”, afirmou.
 
A promotora de Justiça Lívia Santana, do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), foi a primeira expositora do tema “Intolerância Religiosa”. E começou sua palestra questionando termos comumente utilizados nessas discussões. “Questiono esse termo ‘intolerância’, afinal seu contraponto seria ‘tolerar’, que nada mais significa do que ‘aceitar’ ou ‘aturar’. Precisamos mais do que isso: de respeito verdadeiro”, defendeu ela, que refez o percurso histórico de imposição de restrições às crenças afro pelo Estado brasileiro ao longo dos séculos, em episódios como a Constituição Imperial, o Código Criminal de 1830 e mesmo o Código Penal de 1940, ainda em voga.
 
“Houve decretos que obrigavam os negros a se converterem ao catolicismo, que equiparavam a capoeira à vadiagem. A Operação Xangô, que resultou no fechamento e destruição de terreiros em Alagoas, no início do século passado, condenações à prática do curandeirismo e  até leis que determinavam que sacerdotes e sacerdotisas de religiões afro deveriam se submeter a exames de sanidade mental. Houve, desde sempre, a tradição de criminalização das religiões de matriz africana. Além de escravizar, buscava-se quebrar a ligação com suas referências culturais de origem, com o objetivo de facilitar a dominação”, concluiu Lívia que, à luz de acontecimentos recentes, provocou a plateia. “Será que temos, realmente, um Estado laico, como defende a Constituição de 1988?”.
 
Ivanir dos Santos, da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), deu continuidade aos debates. “A intolerância religiosa não cresceria caso não houvesse a inércia do Estado. O que estamos discutindo aqui é a liberdade de expressão, é a democracia brasileira”, ponderou ele, citando casos recentes de agressão religiosa, como o sofrido por Kailane Campos, menina de 11 anos que foi agredida com uma pedrada, em junho de 2015, no subúrbio do Rio, pelo simples fato de ser candomblecista.
 
A primeira mesa foi encerrada pelo programador Leonardo Akin, criador do aplicativo “Oro Orum, Axé eu Respeito”, desenvolvido com o objetivo de desburocratizar os caminhos para denúncias de intolerância religiosa, viabilizando o acionamento rápido do Estado e a geração de um banco de dados online de ocorrências do tipo, país afora. “Em poucos dias, recebemos várias denúncias de atentados a casas de candomblé. E, em sintonia com o que destacou a nossa primeira palestrante de hoje, a promotora Lívia Santana, pude mesmo perceber que a Bahia é o estado com o maior número de conflitos”.
 
Antes do início da segunda e última mesa, que contou com a mediação das promotoras de Justiça Patrícia Villela, coordenadora do CAO Cidadania/MPRJ, e Roberta Rosa, assessora da ADHM/MPRJ, o público teve a oportunidade de assistir à apresentação especial, com a roda de capoeira sustentável, com mestre Hulk. Atração em fina sintonia com as tradições culturais africanas.
 
Professor e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV/Uerj), Doriam Borges foi o primeiro a palestrar sobre o tema “Racismo e extermínio da juventude negra”. O especialista apresentou diversas estatísticas que comprovaram o perfil da maioria absoluta de vítimas de assassinatos no país: homens negros, jovens e com baixa escolaridade. Este grupo compõe, em média, 71% do total de brasileiros assassinados a cada ano. Por isso mesmo, reivindica ele, é preciso que o Estado apresente com urgência uma política pública de efetiva defesa dessa parcela da população.
 
“Em 2015, o Brasil contabilizou 60.984 assassinatos. Vejam só: em apenas três semanas, somamos 3.314 mortos no país – número muito maior que o total de vítimas de ataques terroristas em todo o mundo nos cinco primeiros meses de 2017 - que é de 498. Em alguns estados brasileiros, a situação é dramática. Em Alagoas, por exemplo, os negros têm dez vezes mais chances de sofreram homicídio do que os brancos. No Rio de Janeiro, por sua vez, temos uma das polícias mais violentas do mundo, com espantosos números de vítimas em combate nas operações”, lamentou.
 
Jornalista das organizações Globo, Flávia Oliveira proferiu a última palestra do evento. E, para fundamentar sua exposição, utilizou a recente descoberta arqueológica dos restos mortais da escrava Josefina Bakhita, no Cemitério dos Pretos Novos, na região portuária do Rio. “Vários outros fragmentos de ossos já haviam sido encontrados, mas este foi o primeiro esqueleto completo, íntegro, o que permitiu estudos. Descobriu-se, por exemplo, tratar-se de uma mulher negra, com idade por volta dos 20 anos. Ela reforça a tese de que, ao contrário do que muitos imaginam, o fluxo de escravizados para o Brasil trazia muitos negros jovens, homens e mulheres, e não só adultos com mais idade. Os que não resistiam à viagem, ou aqui chegavam doentes, eram logo ali descartados. Isso tudo comprova a constatação de que, desde sempre, o Brasil explora, escraviza e extermina seus jovens. Práticas que persistem até hoje”.

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