Page 128 - Experiências de atuação Pedagogia Psicologia Serviço Social
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Experiências de atuação da Pedagogia, da Psicologia e do Serviço Social
na defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes
entendimento do seu real objetivo, como equipamento que tem a função de ser a porta de
entrada das situações de violação de direitos para reivindicar serviços, programas e benefícios
garantidos em diversos instrumentos normativos de assistência social, saúde, educação,
transporte, habitação, etc.. A respeito disto, somam-se problemas referentes à previsão legal das
medidas aplicadas, bem como ao reconhecimento das suas atribuições constantes no art. 136
do ECA. Quanto a este ponto, foi observada a reiterada participação dos Conselhos Tutelares em
situações que envolviam disputa de guarda de crianças e adolescentes, pensão alimentícia etc.,
o que pode fomentar a tendência de jurisdicionalização do órgão.
Para além dos exemplos identificados durante o atendimento das solicitações das
promotorias de justiça da infância, é possível aferir que algumas normas igualmente têm contribuído
para o esvaziamento dos Conselhos Tutelares. A Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009 trouxe em
seu art. 101, §2º, como alteração principal da redação original do ECA, a mudança da autoridade
detentora do poder de aplicar a medida de acolhimento, que passou a ser exclusiva do juiz da
infância e da juventude. De acordo com a atual normativa, esta decisão tornou-se competência
exclusiva do poder judiciário, retirando do Conselho Tutelar, salvo em situações emergenciais, a
aplicação da medida de acolhimento. Normatizou ainda que, em casos emergenciais, ou seja,
sem necessidade de autorização prévia do poder judiciário, as entidades de acolhimento devem
comunicar o acolhimento em até 24 horas ao juiz da Infância e da Juventude (ECA, art.93).
A alteração supracitada traz como principal contradição a necessidade de judicializar os
casos, contrariando os objetivos iniciais do ECA e do próprio Conselho Tutelar que foram previstos
para evitar a judicialização para solução dos problemas, tornando assim a resolução dos casos lenta
e burocrática, sobrecarregando ainda mais, com atribuições executivas, o Poder Judiciário.
A Lei nº 13.431, de 04 de abril de 2017 pode ser indicada como outra norma que alterou o
escopo de atuação do Conselho Tutelar. Esta Lei delega à Assistência Social uma das atribuições
primitivas e exclusivas do Conselho Tutelar, a de representação ao Ministério Público, frente
a situações de descumprimento de suas deliberações, conforme previsto no art. 136 do ECA.
Contudo, a Lei (art. 19, III e IV) delega tal atribuição, também, aos equipamentos socioassistenciais
- representar os pais ao sistema de justiça, desconfigurando o objetivo cerne da política de
Assistência Social, além da política da infância, até então desenhada. Ademais, os artigos 13 e 15 da
mesma Lei retiram a exclusividade do Conselho Tutelar em receber a comunicação de maus tratos
– conforme inicialmente definido no artigo 13 do ECA – ampliando os órgãos para recebimento de
comunicação, que poderão ser acionados.
A inclusão de outros órgãos com essa incumbência, por si só, não revela prejuízo, desde
que tal alteração tenha sido precedida da consolidação de fluxos historicamente construídos nos
territórios de atendimento. Do contrário, revela-se como mais uma medida que fragiliza as ações
para o reconhecimento do Conselho Tutelar como órgão imprescindível no SGDCA.
Contudo, no caso em comento, observa-se que, ao delegar uma função exógena ao escopo
da política de Assistência Social – representação ao sistema de justiça – esta lei fomenta uma
“contrarreforma” na perspectiva instaurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no que
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concerne ao papel fundamental do Conselho Tutelar enquanto órgão não jurisdicional que tem
protagonismo na recepção e encaminhamento de situações de violação, inclusive em interface
com o Sistema de Justiça.
9 O termo “contrarreforma do Estatuto” foi utilizado por Matos (2019) ao discutir os impactos da Lei 13431 no que concerne à escuta de
crianças e seus rebatimentos para o exercício profissional dos assistentes sociais.
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