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Experiências de atuação da Pedagogia, da Psicologia e do Serviço Social
            na defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes


            entendimento do seu real objetivo, como equipamento que tem a função de ser a porta de
            entrada das situações de violação de direitos para reivindicar serviços, programas e benefícios
            garantidos  em  diversos  instrumentos  normativos  de  assistência  social,  saúde,  educação,
            transporte, habitação, etc.. A respeito disto, somam-se problemas referentes à previsão legal das
            medidas aplicadas, bem como ao reconhecimento das suas atribuições constantes no art. 136
            do ECA. Quanto a este ponto, foi observada a reiterada participação dos Conselhos Tutelares em
            situações que envolviam disputa de guarda de crianças e adolescentes, pensão alimentícia etc.,
            o que pode fomentar a tendência de jurisdicionalização do órgão.

                   Para  além  dos  exemplos  identificados  durante  o  atendimento  das  solicitações  das
            promotorias de justiça da infância, é possível aferir que algumas normas igualmente têm contribuído
            para o esvaziamento dos Conselhos Tutelares. A Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009 trouxe em
            seu art. 101, §2º, como alteração principal da redação original do ECA, a mudança da autoridade
            detentora do poder de aplicar a medida de acolhimento, que passou a ser exclusiva do juiz da
            infância e da juventude. De acordo com a atual normativa, esta decisão tornou-se competência
            exclusiva do poder judiciário, retirando do Conselho Tutelar, salvo em situações emergenciais, a
            aplicação da medida de acolhimento. Normatizou ainda que, em casos emergenciais, ou seja,
            sem necessidade de autorização prévia do poder judiciário, as entidades de acolhimento devem
            comunicar o acolhimento em até 24 horas ao juiz da Infância e da Juventude (ECA, art.93).

                   A alteração supracitada traz como principal contradição a necessidade de judicializar os
            casos, contrariando os objetivos iniciais do ECA e do próprio Conselho Tutelar que foram previstos
            para evitar a judicialização para solução dos problemas, tornando assim a resolução dos casos lenta
            e burocrática, sobrecarregando ainda mais, com atribuições executivas, o Poder Judiciário.

                   A Lei nº 13.431, de 04 de abril de 2017 pode ser indicada como outra norma que alterou o
            escopo de atuação do Conselho Tutelar. Esta Lei delega à Assistência Social uma das atribuições
            primitivas e exclusivas do Conselho Tutelar, a de representação ao Ministério Público, frente
            a  situações  de  descumprimento  de  suas  deliberações,  conforme  previsto  no  art.  136  do  ECA.
            Contudo, a Lei (art. 19, III e IV) delega tal atribuição, também, aos equipamentos socioassistenciais
            -  representar  os  pais  ao  sistema  de  justiça,  desconfigurando  o  objetivo  cerne  da  política  de
            Assistência Social, além da política da infância, até então desenhada. Ademais, os artigos 13 e 15 da
            mesma Lei retiram a exclusividade do Conselho Tutelar em receber a comunicação de maus tratos
            – conforme inicialmente definido no artigo 13 do ECA – ampliando os órgãos para recebimento de
            comunicação, que poderão ser acionados.

                   A inclusão de outros órgãos com essa incumbência, por si só, não revela prejuízo, desde
            que tal alteração tenha sido precedida da consolidação de fluxos historicamente construídos nos
            territórios de atendimento. Do contrário, revela-se como mais uma medida que fragiliza as ações
            para o reconhecimento do Conselho Tutelar como órgão imprescindível no SGDCA.

                   Contudo, no caso em comento, observa-se que, ao delegar uma função exógena ao escopo
            da  política  de  Assistência  Social  –  representação  ao  sistema  de  justiça  –  esta  lei  fomenta  uma
            “contrarreforma”  na perspectiva instaurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no que
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            concerne ao papel fundamental do Conselho Tutelar enquanto órgão não jurisdicional que tem
            protagonismo na recepção e encaminhamento de situações de violação, inclusive em interface
            com o Sistema de Justiça.



            9        O termo “contrarreforma do Estatuto” foi utilizado por Matos (2019) ao discutir os impactos da Lei 13431 no que concerne à escuta de
            crianças e seus rebatimentos para o exercício profissional dos assistentes sociais.


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