Page 94 - Experiências de atuação Pedagogia Psicologia Serviço Social
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Experiências de atuação da Pedagogia, da Psicologia e do Serviço Social
na defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes
demonstravam que muitos casos culminavam no afastamento provisório da mãe de seu filho,
pelo entendimento que a relação dela com a droga interferiria diretamente no seu exercício
da maternidade, demonstrando que há um discurso estigmatizante sobre o uso de drogas,
especialmente quando se trata das mulheres que vivem nas ruas.
Como exemplo desse discurso, mencionamos a pesquisa realizada por Macedo, Roso e Lara
(2015), que demonstra como articulação midiática é formadora de concepções sobre mulheres,
saúde e uso de crack. Ao analisarem a reportagem de grande repercussão “Mães do crack” (2012),
exibida em programa de televisão de grande audiência nacional e internacional, que abordou o
uso do crack por essa população como uma epidemia, as autoras demonstraram como a matéria
reforçou uma abordagem biologicista e medicalizante sobre o uso de drogas. Através dessa
narrativa midiática, as mulheres usuárias de drogas e de crack, especificamente, são consideradas
sem condições de cuidarem dos (as) filhos (as) ou/ e tomar decisões.
Em diversos trechos da reportagem, as mulheres que fazem uso de crack são
colocadas em lugar de descontrole total de seu corpo, tanto por engravidarem,
quanto por não “conseguir deixar o crack” durante a gestação [...]. Nesse sentido,
apresentando as mulheres que fazem/fizeram uso de crack como sujeitos que não
conseguem ter controle sobre seus corpos, nem tomar as decisões ou escolher, a
mídia parece evidenciar o lugar do Estado na “apropriação” do corpo das mulheres
para resolução do problema social (MACEDO, ROSO e LARA, 2015, p. 1.293).
A análise das autoras se relaciona com as demandas que foram pautas no Fórum, na direção
que propõe a discussão da prática de judicialização dos casos das mulheres que vivem nas ruas, no
momento do acesso as maternidades, em função do uso de drogas, a partir do entendimento que essas
mulheres não teriam condições de controlar seus corpos e decidir sobre o exercício da maternidade.
Essa perspectiva estigmatizada sobre as mulheres também dialoga com as questões
apresentadas pela autora Badinter (1985), no livro “Um amor conquistado: o mito do amor materno”, que
coloca em análise os discursos sobre um suposto “instinto materno” e problematiza sobre a idealização
da maternidade. A autora não nega a existência de um “amor materno”, mas retira da perspectiva de
que seria algo intrínseco as mulheres, para isso explica que o instinto materno é uma construção social
que corresponde aos valores morais dominantes de uma determinada época. A partir desse debate,
problematizamos que esses discursos sobre a maternidade pautado nos valores morais, se torna ainda
mais complexo em relação as mulheres usuárias de drogas que engravidam, pois há entendimento
que, mesmo com a experiência da maternidade, elas optaram por dar continuidade ao uso de drogas.
Segundo os relatos apresentados no Fórum, quando essas mulheres chegam ao Sistema
de Justiça, há uma prioridade nos encaminhamentos para os bebês, estes são encaminhados para
a guarda com a família extensa ou direcionado a algum serviço de acolhimento, em detrimento
de uma abordagem que inclua a possibilidade de permanência dessa mãe com seu filho (a). Entre
as principais perspectivas que contribui para essa dinâmica, está o julgamento sobre a capacidade
dessa mulher lidar com uma rotina de vida para além do uso da droga.
Nesse sentido, muitas vezes não há um trabalho que reconheça o lugar da mulher para além
da maternidade, ganhando atenção somente no momento da gestação, em função da atenção
para a criança. A cada gravidez, a mulher aparece aos olhos da rede de atendimento e, assim que é
oferecido um destino ao bebê, ela cai novamente na invisibilidade, inclusive de suas famílias. Por que
essa mulher não encontra lugar na rede de serviços fora de uma gestação?
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