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Experiências de atuação da Pedagogia, da Psicologia e do Serviço Social
            na defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes


            demonstravam  que  muitos  casos  culminavam  no  afastamento  provisório  da  mãe  de  seu  filho,
            pelo entendimento que a relação dela com a droga interferiria diretamente no seu exercício
            da maternidade, demonstrando que há um discurso estigmatizante sobre o uso de drogas,
            especialmente quando se trata das mulheres que vivem nas ruas.

                   Como exemplo desse discurso, mencionamos a pesquisa realizada por Macedo, Roso e Lara
            (2015), que demonstra como articulação midiática é formadora de concepções sobre mulheres,
            saúde e uso de crack. Ao analisarem a reportagem de grande repercussão “Mães do crack” (2012),
            exibida em programa de televisão de grande audiência nacional e internacional, que abordou o
            uso do crack por essa população como uma epidemia, as autoras demonstraram como a matéria
            reforçou uma abordagem biologicista e medicalizante sobre o uso de drogas. Através dessa
            narrativa midiática, as mulheres usuárias de drogas e de crack, especificamente, são consideradas
            sem condições de cuidarem dos (as) filhos (as) ou/ e tomar decisões.




                                   Em  diversos  trechos  da  reportagem,  as  mulheres  que  fazem  uso  de  crack  são
                                   colocadas em lugar de descontrole total de seu corpo, tanto por engravidarem,
                                   quanto  por  não  “conseguir  deixar  o  crack”  durante  a  gestação  [...].  Nesse  sentido,
                                   apresentando as mulheres que fazem/fizeram uso de crack como sujeitos que não
                                   conseguem ter controle sobre seus corpos, nem tomar as decisões ou escolher, a
                                   mídia parece evidenciar o lugar do Estado na “apropriação” do corpo das mulheres
                                   para resolução do problema social (MACEDO, ROSO e LARA, 2015, p. 1.293).




                   A análise das autoras se relaciona com as demandas que foram pautas no Fórum, na direção
            que propõe a discussão da prática de judicialização dos casos das mulheres que vivem nas ruas, no
            momento do acesso as maternidades, em função do uso de drogas, a partir do entendimento que essas
            mulheres não teriam condições de controlar seus corpos e decidir sobre o exercício da maternidade.

                   Essa perspectiva estigmatizada sobre as mulheres também dialoga com as questões
            apresentadas pela autora Badinter (1985), no livro “Um amor conquistado: o mito do amor materno”, que
            coloca em análise os discursos sobre um suposto “instinto materno” e problematiza sobre a idealização
            da maternidade. A autora não nega a existência de um “amor materno”, mas retira da perspectiva de
            que seria algo intrínseco as mulheres, para isso explica que o instinto materno é uma construção social
            que corresponde aos valores morais dominantes de uma determinada época. A partir desse debate,
            problematizamos que esses discursos sobre a maternidade pautado nos valores morais, se torna ainda
            mais complexo em relação as mulheres usuárias de drogas que engravidam, pois há entendimento
            que, mesmo com a experiência da maternidade, elas optaram por dar continuidade ao uso de drogas.

                   Segundo os relatos apresentados no Fórum, quando essas mulheres chegam ao Sistema
            de Justiça, há uma prioridade nos encaminhamentos para os bebês, estes são encaminhados para
            a guarda com a família extensa ou direcionado a algum serviço de acolhimento, em detrimento
            de uma abordagem que inclua a possibilidade de permanência dessa mãe com seu filho (a). Entre
            as principais perspectivas que contribui para essa dinâmica, está o julgamento sobre a capacidade
            dessa mulher lidar com uma rotina de vida para além do uso da droga.

                   Nesse sentido, muitas vezes não há um trabalho que reconheça o lugar da mulher para além
            da maternidade, ganhando atenção somente no momento da gestação, em função da atenção
            para a criança. A cada gravidez, a mulher aparece aos olhos da rede de atendimento e, assim que é
            oferecido um destino ao bebê, ela cai novamente na invisibilidade, inclusive de suas famílias. Por que
            essa mulher não encontra lugar na rede de serviços fora de uma gestação?


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